“Carnaval é uma grandiosa
cosmovisão universalmente popular de milênios passados... é o mundo às
avessas”. (Bakhtin, 1970)
O carnaval realizado no Brasil é a maior festa
popular do mundo. Grande parte dos foliões brasileiros, no entanto, não
conhecem as origens e as implicações dessa festa. Pensa-se que o carnaval é uma
brincadeira típica do Brasil, mas várias cidades do mundo como Nice (França),
Veneza (Itália), Nova Orleans (EUA), dentre outras, também a celebram
anualmente.
O carnaval, para surpresa de muitos, é um
fenômeno social anterior a era cristã. Assim como atualmente ela é uma tradição
em vários países, na antiguidade, o carnaval também foi praticado por várias
civilizações. No Egito, na Grécia e em Roma, pessoas de diversas classes
sociais se reuniam em praça pública com máscaras e enfeites para desfilarem,
beberem vinho, dançarem, cantarem e se entregarem as mais diversas libertinagens.
A diferença entre o carnaval da antiguidade para
o de hoje é que, no primeiro, as pessoas participavam das festas mais
conscientes de que estavam adorando aos deuses. O carnaval era uma prática
religiosa ligada à fertilidade do solo. Era uma espécie de culto agrário em que
os foliões comemoravam a boa colheita, o retorno da primavera e a benevolência
dos deuses. No Egito, os rituais eram oferecidos ao deus Osíris, por ocasião do
recuo das águas do rio Nilo. Na Grécia, Dionísio, deus do vinho e da loucura,
era o centro de todas as homenagens, ao lado de Momo, deus da zombaria. Em
Roma, várias entidades mitológicas eram adoradas, desde Júpiter, deus da urgia,
até Saturno e Baco.
Na Roma antiga, o mais belo soldado era
designado para representar o deus Momo no carnaval, ocasião em que era coroado
rei. Durante os três dias da festividade, o soldado era tratado como a mais
alta autoridade local, sendo o anfitrião de toda a orgia. Encerrada as
comemorações, o “Rei Momo” era sacrificado no altar de Saturno. Posteriormente,
passou-se a escolher o homem mais obeso da cidade, para servir de símbolo da
fartura, do excesso e da extravagância.
Com a supremacia do cristianismo a partir do século
IV de nossa era, várias tradições pagãs foram combatidas. No entanto, a adesão
em massa de não-convertidos ao cristianismo, dificultou a repressão completa. A
Igreja foi forçada a consentir com a prática de certos costumes pagãos, muitos
dos quais, cristianizados para evitar maiores transtornos. O carnaval acabou
sendo permitido, o que serviu como “válvula de escape” diante das exigências
impostas aos medievos no período da Quaresma.
Na Quaresma, todos os cristãos eram convocados a
penitências e à abstinência de carne por 40 dias, da quarta-feira de cinza até
as vésperas da páscoa. Para compensar esse período de suplício, a Igreja fez
“vistas grossas” às três noites de carnaval. Na ocasião, os medievos
aproveitavam para se esbaldar em comidas, festas, bebidas e prostituições, como
na antiguidade.
Na Idade Média, o carnaval passou a ser chamado
de “Festa dos Loucos”, pois o folião perdia completamente sua identidade cristã
e se apegava aos costumes pagãos. Na “Festa dos Loucos”, tudo passava a ser permitido,
todos os constrangimentos sociais e religiosos eram abolidos. Disfarçados com
fantasias que preservavam o anonimato, os “cristãos não-convertidos” se
entregavam a várias licenciosidades, que eram, geralmente, associadas à
veneração aos deuses pagãos.
O carnaval na Idade Média foi objeto de estudo
de um dos maiores pensadores do século XX, o marxista russo Bakhtin. Em seu
livro Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, Bakhtin observa que no
carnaval medieval – “o mundo parecia ficar de cabeça para baixo”. Vivia-se uma
vida ao contrário. Era um período em que a vida das pessoas tornava-se
visivelmente ambígua, pois a vida oficial - religiosa, cristã, casta,
disciplinada, reservada, etc. – amalgamava-se com a vida não-oficial – a pagã e
carnal. O sagrado que regulamentava a vida das pessoas era profanado e as
pessoas passavam a ver o mundo numa perspectiva carnavalesca, ou seja, liberada
dos medos e da ética cristã.
Com a chegada da Idade Moderna, a “Festa dos
Loucos” se espalhou pelo mundo afora, chegando ao Brasil, ao que tudo indica,
no início do século XVII. Trazido pelos portugueses, o ENTRUDO – nome dado ao
carnaval no Brasil – se transformaria na maior manifestação popular do mundo,
numa das maiores adorações aos deuses pagãos do planeta e, por tabela, na maior
apologia a prostituição apoiada pelo Estado. Você vai participar do CARNAval?
Egina Carli de Araújo Rodrigues é professora de
História das redes pública e particular de ensino no Acre
(eduardoeginacarli@blogspot.com)
Eduardo Carneiro, formado em História, é
acadêmico do mestrado em letras pela UFAC.
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