O legislador do sol:
Jurupari!
Jurupari é um personagem mitológico dos povos indígenas da
América do Sul. O povo Mawé retrata Yurupari não apenas como um demônio, mas o
próprio mau, aquele que deu origem à outros demônios (como os Ahiag̃ ou os
Mapinguary).
Na época da chegada dos primeiros europeus ao continente
(século 16), Jurupari era o culto mais difundido. Visando a combatê-lo, os
missionários católicos passaram a associar Jurupari ao diabo cristão.
Várias teorias procuram explicar o significado do termo
"Jurupari":
Segundo o tupinólogo Eduardo Navarro, viria do tupi antigo
Îurupari, que significa "boca torta" (îuru, "boca" + apar,
"torta").
Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo, a palavra
"jurupari" parece corruptela de "jurupoari", descrita por
Couto de Magalhães no curso sobre nheengatu (língua geral) "O
selvagem". Na obra, "Jurupari" literalmente é traduzido por
"boca, mão sobre; tirar da boca"; che jurupoari - "tirou-me a
palavra da boca", ou de iuru (boca) e pari (armadilha de talas para peixes,
com que se fecha os igarapés), além de referir aos diversos significados
míticos, entre os quais o que corresponde à expressão "ser que vem à nossa
rede" (lugar onde dormimos), e "gerado da fruta".
Segundo o padre Constant Tastevin (1880-1958), apud Faulhaber,
o nome "Jurupari" pode corresponder ao nome próprio de um antigo
legislador índio, de quem conservam ainda os usos, leis e tradições lembradas
nas danças mascaradas de Jurupari. O nome, segundo esse autor, parece
significar "máscara", pari, "da boca" ou "do
rosto": iu-ru-pari: "meter um pari no próprio rosto".
O dicionário Aurélio reforça a etimologia tupi e o
significado de "demônio", estendendo o seu significado a:
um peixe de rio, ciclídeo (jeropari, Geophagus daemon);
ao macaco-de-cheiro;
e à planta da família das leguminosas (Eperua grandiflora),
que podem ou não ter relações com esse signo mítico, o que é evidente no nome
do peixe (Geophagus daemon ou Satanoperca jurupari).
A primeira versão conta a história de uma índia chamada
Ceuci que, tal qual a Virgem Maria, teve uma concepção miraculosa. Conta a
lenda que Ceuci estava repousando abaixo de uma árvore e, acometida de fome,
comeu seu fruto, o mapati (uacu, em algumas variantes), cuja ingestão era
proibida às moças no dia em que estivessem em período fértil. O sumo da fruta
teria então escorrido pelo seu corpo nu e alcançado o meio de suas coxas,
fecundando-a. A notícia chegou à aldeia, e o conselho de anciãos, diante da
revolta do povo, resolveu punir Ceuci com o exílio, onde teve seu filho.
Esta criança, chamada Jurupari, era na verdade o enviado do
Sol (Guaraci), pelo qual foi ordenado reformar os costumes dos homens e
encontrar uma esposa para ele. Com sete dias de vida, já aparentava ter 10
anos, e sua sabedoria atraiu a atenção de todos, que passaram a ouvir suas
palavras e o ensinamento dos novos costumes que o Sol dizia que deveriam
seguir. É chamado legislador porque alterou as leis (leia-se costumes) do
mundo, transformando-o de matriarcal para patriarcal.
Demônio dos Sonhos
Na mais conhecida das duas lendas, Jurupari seria, na
verdade, o deus da escuridão e do mal, que visitaria os índios em sonhos,
assustando-os com pesadelos e presságios de perigos horríveis, impedindo,
entretanto, que suas vítimas gritassem - o que, por vezes, causava asfixia.
Esta é a mais "provável", já que o significado da palavra Jurupari
seja algo como "aquele que cala", "que tapa a boca", ou
ainda "aquele que visita nossa rede". Os jesuítas estimularam esta
versão da lenda, alguns mesmo dizendo que foram eles que a criaram, sendo
imediatamente aceita pelos indígenas, ávidos por uma explicação sobre o porquê
de terem pesadelos. Para Câmara Cascudo, essa concepção de criatura dos
"pesadelos" é um amálgama de lendas europeias e africanas, inventadas
pelas amas de leite para o controle do comportamento das crianças.
Aparência
Por vezes, é visto como um caboclo medonho que está sempre
rindo, aleijão de boca torta, sendo muito cruel e vingativo. Em algumas culturas
indígenas, é descrito como uma cobra com braços; em outras, como um índio comum
dotado de grande sabedoria e poderes divinos. Já foi descrito como um bebê
invisível, ou simplesmente como uma "presença" (espírito).
Em alguns dos mitos que envolvem o jurupari, esse herói
morre queimado, e, das suas cinzas, nasce a palmeira de paxiúba (Socratea
exorrhiza), uma árvore de cuja madeira são feitos os instrumentos juruparis
tocados nesse ritual. Entre os índios tucanos, a flauta (simiômi’i-põrero) é
feita da madeira do uacu (Monopteryx angustifolia). Segundo Piedade, é um
instrumento sagrado que tem som de trovão, tendo sido utilizado pelos homens
para recuperar os instrumentos juruparis que as mulheres haviam roubado.
Ritual do Jurupari
Além de o nome Jurupari corresponder a uma lenda tupi e a um
conjunto de animais e árvores que o mito relaciona entre si, ainda existem
diversas variantes desse mito em outras etnias. Corresponde também a um ritual
com flautas em que só os homens podem participar, entre os índios do noroeste
da Amazônia (Rios Negro e Uaupés), como os tucanos e os tarianas, descrito por
Ermanno Stradelli (1852-1926). Outros ritos e mitos também são conhecidos pelo
nome de Jurupari, a exemplo dos encontrados nas tribos:
Tuiucas / (Tucanos)
Macus / (Línguas macus)
Wauja e outras do Parque do Xingu
Segundo descrição de Carvalho do que denomina a
"religião de jurupari", na região amazônica alto do Rio Negro, esta
compreende um culto secreto masculino, revelado aos iniciados principalmente na
segunda iniciação: seus ritos incluem flagelações, uso do tabaco e coca,
ilusógenos como o yagé (caapi), e, mais no extremo oeste, também o paricá.
Jurupari é a figura que aparece nas lendas tupis e também no
folclore de tribos indígenas das mais diversas procedências. Ele é o
legislador, filho de uma virgem, concebido por meio do sumo do mapati
(imbaúba-de-cheiro) quando ela comia essa fruta no dia em que sua ingestão era
rigorosamente proibida às donzelas. Jurupari foi o mensageiro do Sol na Terra,
cujos costumes começou a reformar a fim de encontrar nela uma mulher tão
perfeita que fosse digna de casar com o astro-rei. Mas não encontrou até hoje
uma criatura nessas condições, e provavelmente não a encontrará jamais, mas
apesar disso prossegue em sua busca porque essa é a missão que lhe foi
confiada.
Diz a lenda que se deve a Jurupari uma série de benefícios
para o sexo masculino. Quando chegou à Terra o governo aqui era exercido pelas
mulheres, mas ele o transferiu para os homens alegando que o matriarcado
contrariava as leis do Sol. E para que os do sexo masculino se tornassem
independentes das do sexo feminino, instituiu grandes festejos em que nenhuma
mulher poderia tomar parte, e segredos que somente eles poderiam conhecer. Os
usos, leis e costumes que o herói solar criou são obedecidos até hoje por
várias tribos da bacia amazônica.
Segundo outra versão, Jurupari é um ente estranho que visita
os seres humanos durante o sono e os assusta com a visão de perigos horríveis,
tremendos, impedindo-os ao mesmo tempo de gritar por socorro. Muitos o
confundem com o Anhangá, gênio ou espírito que os indígenas brasileiros
acreditavam ser protetor dos animais terrestres, mas perseguidor dos humanos.
Todos, porém, concordavam que Jurupari e Anhangá representavam uma força diabólica,
mas a maioria dos relatos colhidos sobre eles sugere que a crença quanto aos
dois resultava dos pesadelos que atribulavam os índios durante o sono.
Foram os jesuítas que deram a Jurupari a característica de
demônio. Como eram extremamente supersticiosos, os indígenas aceitaram sem
discutir a versão de que espíritos do mal criavam as imagens noturnas que os
assustavam e lhes perturbava o sono. E tanto isso é verdade que a designação
Jurupari pode ser traduzida como “ser que vem à nossa rede”, que é onde os
índios dormiam. Ou seja, ela traduz a idéia de que alguém visita os homens à
noite, enquanto eles dormem, trazendo visões de muitos perigos e provocando com
isso grandes aflições. Em outras palavras, nada mais, nada menos, que um
pesadelo.
Abordando esse mesmo assunto, Osvaldo Orico (1900-1981),
professor, diplomata, poeta e ensaísta, escreve o seguinte: “Tendo incutido no
ânimo dos selvagens que o espírito que os visitava, à noite, outra coisa não
era senão o espírito mau, o filho das trevas, é natural que os jesuítas nos
certifiquem de que essa era a crença dos naturais. Efetivamente, segundo
testemunho de quase todos os missionários, jurupari é sinônimo de demônio. Em
‘Mitos ameríndios’, tive ocasião de assinalar o motivo da analogia. Transcreverei
aqui o que se indicou sobre o curioso mito e que é a parte mais interessante de
sua legenda”:
“Entende Couto de Magalhães que a palavra jurupari é uma
corruptela de jurupoari, que se traduziria ao pé da letra por boca, mão, sobre;
tirar da boca. Montoya fornece esta frase: ‘che jurupoari’, tirou-me a palavra
da boca. O dr. Batista Caetano traduz a palavra por: ‘ser que vem à nossa
rede’, isto é, ao lugar em que dormimos. Seja ou não corruptela a palavra,
escreve o autor de ‘O selvagem’, qualquer das duas traduções está conforme a
tradição indígena, e, no fundo, exprime a idéia supersticiosa dos naturais,
segundo a qual este ente estranho visita os homens em sonho e causa aflições
tanto maiores, quanto, trazendo-lhes imagens de perigos horríveis, os impede de
gritar, isto é, tira-lhes faculdade da voz’
Jurupari
Filho e embaixador do Sol, Senhor dos Segredos, reformador,
legislador, o Jurupari, deus mais cultuado pelos índios brasileiros (não só os
de língua tupi) até começar o domínio português, parece ser originário do povo
aruaque, que habitava boa parte do norte da América do Sul.
Ele nasceu de uma virgem, Tenuiana, que foi engravidada pelo
sumo de uma fruta que comia, chamada cucura (da família da jaca e do figo).
Logo depois de nascer, desapareceu, mas sua mãe o sentia mamando nos seus seios
à noite. Só foi reaparecer quinze anos depois.
Era um rapaz forte e bonito. Foi eleito tuxaua (chefe) e
assim acabou com o poder das mulheres, que até então governavam a sua
nação.Seriam as amazonas?
Depois de vencer as mulheres, Jurupari criou doutrinas e
rituais para os homens, inclusive ritos de iniciação masculina, que exigem –
entre outras coisas – jejum e provas de resistência à dor. As mulheres não
podem ver os rituais masculinos. Se os virem, morrem.
Os intermediários entre o Jurupari e os índios são os pajés.
Ele é evocado ao som de maracás e trombetas, com danças.Segundo Câmara Cascudo,
ele visita os homens em sonhos, e causa aflições. Por isso, os jesuítas o
identificaram como “Senhor do Pesadelo”… e diabo. Mas ninguém sabe que
aparência ele tem. Pelo menos não conta.
Mas tem algo que pode representar sua figura: os maracás
usados pelos pajés nas cerimônias relacionadas ao Jurupari. O maracá – palavra
que significa “cabeça falsa” – é feito com uma cabaça do tamanho de uma cabeça
humana, com orelhas, cabelos, olhos, nariz, e um pequeno cabo para segurar.
Colocam dentro dele folhas secas e fumo queimando, e assim o maracá solta
fumaça pelos olhos, boca e nariz, enquanto os pajés, o chacoalham dançando, em
transe, tendo visões e fazendo previsões e revelações. Por isso, o maracá – que
era às vezes um instrumento sagrado, que só os pajés podiam pegar – era
identificado com o Jurupari.
Para impor o cristianismo aos índios, os europeus precisavam
destruir suas crenças. Então, o grande deus Jurupari foi demonizado. Virou
sinônimo de satanás, belzebu, capeta, o mal absoluto. E com muita esperteza
“inventaram” um outro deus para os índios, identificado com o deus cristão.
Tupã era o nome que os guaranis davam ao trovão. Para os
tupis, era Tupana. Mas era só um trovão, nada mais. E ele foi promovido a Deus
único e verdadeiro. Tupã se tornou uma versão adaptada do Deus hebraico,
assimilado pelos cristãos. Hoje, está embutido nas mentes da maioria das
pessoas que Tupã era um deus que já existia antes, e que Jurupari é o diabo.
Até na Amazônia, principal reduto do Jurupari, a maioria dos não-índios e dos
índios aculturados pensa assim. Mas há exceções.
O nome Jurupari, segundo alguns, significa “o que nasceu da
fruta”, e segundo outros, “boca fechada”. Esta última corresponde aos seus
rituais cheios de segredo. Em Águas Belas (PE), há um povo que, ao que tudo
indica, cultua Jurupari. São os fulniôs, de língua gê, que têm uma aldeia
sagrada, num lugar a que só eles têm acesso, onde passam catorze semanas (a
partir de agosto) num ritual chamado Ouricuri, e as mulheres ficam em áreas
separadas dos homens. E ninguém conta o que acontece lá. Só pode ser coisa do
Jurupari…
JURUPARI, é um nome indígena que significa o sono, o
pesadelo.
É um gênio do mal que não tem forma, mas é visto como um
caboclo feio, deformado, de boca torta, sempre rindo e com fome.
Aparece também em altas horas da noite…
Jurupari
(Juruparím, Jeropary, Jeropoari, Yurupari, Iurupoari)
Jurupari é a denominação Tupi para um demônio particular,
mas foi usada com exclusividade pelos missionários para designar qualquer demônio,
até assumindo o lugar do diabo cristão nos trabalhos de catequese dos índios.
Aparece em outras tribos, como os Baniva, como Kowai ou Kóai, todavia, possui
um opositor, uma evidente criação catequética, que incorpora os conceitos
religiosos do Bem; é Inapíri-Kúri ou Jesus Cristo.
A lenda diz que o Jurupari é um deus que veio do céu em
busca de uma mulher perfeita para ser esposa de Coaraci, o Sol, mas não diz se
ele a encontrou. Jurupari foi o maior legislador que os indígenas conheceram…
deus reformador e legislador maia.
Enquanto conviveu com os homens, estabeleceu uma série de
normas de conduta e leis morais, instituiu a monogamia, a higiene pessoal,
através da depilação corporal, restituiu o poder aos homens que viviam em
regime matriarcal, promoveu modificações nos costumes e na lavoura,
instituindo, especialmente, as festas de colheita. Algumas das leis do Jurupari
permanecem válidas até hoje e são as seguintes: o chefe cuja mulher for estéril
poderá tomar outras para si, sob pena de perder o trono para o mais valente;
ninguém cobiçará a mulher do outro, pagando a desobediência com a própria vida;
a mulher deverá permanecer virgem até a puberdade e jamais prostituir-se; a
mulher casada deverá permanecer com o marido até a morte, sem traí-lo; o marido
deverá permanecer em repouso durante uma lua, após o parto da mulher; o homem
deve sustentar-se com o trabalho de suas mãos; é punida com a morte a mulher
que vir o Jurupari e o homem que revelar seus segredos e seus rituais.
A cerimônia do Jurupari tem seu ritual em fins de março,
coincidindo com o período em que as águas diminuem e prenunciam o verão, que
começa em maio. Na verdade, na Amazônia não existem inverno nem verão. O que
chamamos de inverno e verão é caracterizado pelas chuvas, abundantes num e
escassas noutro período. (Painel de Mitos & Lendas da Amazônia, Franz
Kreuter Pereira, Belém, 1994)
Que sejam prósperos.
Raffi Souza
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