As Valquírias
São os espíritos femininos chamados de Valquírias, que
aguardam os guerreiros em Valhala (morada de Odin); e nenhuma descrição dos
Deuses da batalha estaria completa sem elas. Nas descrições dos poetas, elas
aparecem como mulheres usando armadura e montadas em cavalos, passando
rapidamente acima do mar e da terra. Elas levam as ordens de Odin enquanto a
batalha se desenrola, dando vitória segundo a vontade dele, e, no fim, conduzem
os guerreiros derrotados e mortos a Valhala. Às vezes, porém, as Valquírias são
retratadas como as esposas de heróis vivos. Supostamente, as sacerdotisas
humanas se transformariam em Valquírias, como se fossem as sacerdotisas de
algum culto.
Reconhecemos algo semelhante às Norns, espíritos que decidem
os destinos dos homens; as videntes, que eram capazes de proteger os homens em
batalha com seus encantamentos; aos poderosos espíritos femininos guardiões
apegados a certas famílias, trazendo sorte a um jovem sob sua proteção; e até a
certas mulheres que se armavam e lutavam como homens, das quais existe alguma
evidencia histórica nas regiões em tomo do Mar Negro. Pode também haver a
lembrança das sacerdotisas do Deus da guerra, mulheres que presidiam os ritos
sacrificais quando os prisioneiros eram condenados à morte apos a batalha.
Aparentemente, desde tempos remotos, os germanos pagãos acreditavam
em ferozes espíritos femininos seguindo os comandos do Deus da guerra,
espalhando a desordem, participando de batalhas, agarrando e talvez até
devorando os mortos.
O conceito de uma companhia de mulheres associadas a
batalhas entre os germanos pagãos é ainda mais enfatizado pelos dois
encantamentos que sobreviveram até os tempos cristãos. Um vem de Merseburgo no
sul da Germânia, e é um feitiço para abrir as correntes. Ele descreve como
certas mulheres chamadas "Idisi" (termo derivado do nórdico antigo,
"dísir" - Deusas) se sentavam juntas, algumas travando fechos, outras
segurando a equipagem e outras ainda puxando as correntes. Concluindo com estas
palavras: "Salta fora das amarras, foge do inimigo".
Pode ser comparado a esse um feitiço em "Old
English" contra uma dor súbita. A principio parece um feitiço simples e
inócuo, até a dor ser visualizada como sendo infligida pelas lanças de
determinadas mulheres sobrenaturais. Nesse ponto, o feitiço assume uma postura
heróica.
"Ruidosas eram elas, eis que eram ruidosas,
Cavalgando sobre a colina.
Tinham a mesma e única intenção,
Cavalgando pela terra;
Protege-te agora para escapar desse mal.
Sai pequena lança se aqui tu estás.
Sob o escudo de luz eu me coloquei,
Quando as poderosas mulheres
Preparavam o seu poder
E enviavam suas lanças ferinas"...
Mais adiante no encantamento são mencionadas armas atiradas
pelos Deuses, e a impressão é que temos aqui algo que era originalmente um
encantamento de batalha, como o de Merseburgo, que foi passado de geração em
geração pelo mundo, até poder ser evocado por razões prosaicas. Uma segunda
sugestão de mulheres sobrenaturais em outro encantamento é o termo
"sigewif", mulheres da vitória, usado para descrever um enxame de
abelhas.
Abrir e fechar correntes e amarras, atirar lanças e o poder
de voar são atividades associadas à Odin. Em Hávamál (expressão daquele que é
Grande), ele entoa um encantamento para providenciar "correntes para os
meus adversários". Provavelmente não são amarras físicas, e sim para a
mente, do tipo descrito em Ynglinga Saga (relatos dos antigos reis da Suécia):
"Odin sabia como agir de modo que seus inimigos em
batalha ficassem cegos ou surdos ou tomados pelo pânico, e suas lanças não
espetassem mais do que varinhas de condão".
Um exemplo vivido dessa condição é encontrado em uma das
sagas da Islândia, Hardar Saga (36). O herói Hord estava fugindo de seus
inimigos quando subitamente foi dominado pelo que e descrito como
"corrente de guerra" (herfjgturr). Ele foi conjurado por meio de
magia hostil:
A "corrente de guerra" veio para cima de Hord, e
ele livrou-se uma e duas vezes. A "corrente de guerra" atacou uma
terceira vez. Em seguida, os homens conseguiram cercá-lo formando um círculo de
inimigos, mas ele lutou ate sair do círculo e matou três homens.
Essa atitude não deve ser confundida com pânico em batalha
'pois Hord era um homem excepcionalmente corajoso e um esplêndido guerreiro.
Parece, antes, uma espécie de paralisia, como a que se experimenta em um
pesadelo. Três vezes ele conseguiu se libertar, mas quando a corrente o atacou
pela quarta vez, foi cercado novamente e morto. Vale dizer que um dos nomes das
Valquírias é Herfjgturr, "corrente de guerra", a mesma palavra na
passagem acima. A interpretação sugerida de um dos nomes das Alaisiagae,
Friagabi, como "concedente da liberdade", pode ser relevante nessa
conexão.
A literatura nórdica antiga nos deixou um retrato das
dignificadas Valquírias montadas em cavalos e armadas com lanças; mas também
sobreviveu um quadro diferente, mas rústico, de mulheres sobrenaturais ligadas
a sangue e sacrifício. Criaturas fêmeas, às vezes de tamanhos gigantescos,
despejam sangue sobre um distrito onde haverá uma batalha; às vezes, elas são
descritas carregando cochos de sangue ou montadas em lobos ou são vistas
remando um barco em meio a chuva de sangue caindo do céu. Essas figuras
geralmente são augúrios de luta e morte; elas às vezes aparecem para os homens
em sonhos, e são descritas mais de uma vez nos versos dos escaldos, nos séculos
X e XI.
O mais famoso exemplo de uma visão em sonho e mencionado em
Njáls Saga(sagas das famílias islandesas), que teria acontecido antes da
Batalha de Clontarf, travada em Dublin em 1014. Um grupo de mulheres foi visto
tecendo uma tapeçaria tétrica formada das entranhas de homens e pesada com
cabeças decepadas. Elas estavam colocando a cena do fundo, que era de lanças
cinza, com um carmesim. Eram chamadas pelos nomes das Valquírias. Um poema é
citado na Saga, que teria sido recitado por elas, no qual declarariam que são
elas que decidem quem deve morrer na batalha iminente:
"Tecemos, tecemos a teia da lança,
Enquanto vai adiante o estandarte dos bravos.
Não deixaremos que ele perca a vida;
As Valquírias tem o poder de escolher os aniquilados...
Tudo é sinistro de se ver, agora,
Uma nuvem de sangue atravessa o céu,
O ar esta vermelho com o sangue de homens,
Enquanto as mulheres da batalha entoam sua canção".
Esse poema, conhecido como "Darradarljod" ou
"Passagem das Lanças", pode não ter sido necessariamente composto a
respeito da Batalha de Clontarf; já foi sugerido que alguma outra batalha na
Irlanda o teria inspirado. De qualquer forma, temos aqui, em um período
relativamente prematuro, um retrato das Valquírias, "mulheres de
batalha", que está de acordo com as outras descrições de terríveis
criaturas fêmeas decidindo sobre a sorte dos guerreiros em batalha.
Outras figuras que mostram uma grande semelhanca as Valquírias
dessa espécie são encontradas nas historias dos povos celtas. São elas, Morrigu
e Bobd, mencionadas nas sagas irlandesas. Elas costumavam aparecer no campo de
batalha ou às vezes se tomavam visíveis antes de uma batalha. Podiam tomar a
forma de aves de rapina e geralmente faziam profecias de guerra e massacre.
A associação dessas mulheres de batalha com as aves de
rapina que voam sobre um campo de batalha e interessante. No poema em "Old
English, Exodus", o adjetivo para "escolhendo os aniquilados",
"welceasig", é usado para descrever o corvo; e um dos mais antigos
poemas em nórdico antigo, "Hrafnsmál" é em formato de um diálogo
entre um corvo e uma valquíria. O corvo junto ao lobo é mencionado em
praticamente todas as descrições de uma batalha em poesia composta em "Old
English", e os dois animais eram considerados as criaturas do Deus da
guerra, Odin.
Essas notáveis semelhanças entre as figuras de mulheres de
batalha sobrenaturais na literatura dos escandinavos e dos germanos pagãos de
um lado, e dos povos celtas de outro, são significativas. Conforme o escritor,
Charles Donahue, sugeriu que havia uma crença em ferozes espíritos de batalha
ligados ao Deus da guerra numa época em que os celtas e germanos viviam em
contato próximo, durante o período romano.
Sem dúvida, a figura da valquíria na literatura nórdica se
desenvolveu em algo mais dignificado e menos sanguinário como resultado do
trabalho de poetas durante um considerável período de tempo. As criaturas
alarmantes e terríveis que sobreviveram na literatura apesar desse esforço
parecem, no entanto, mais próximas em caráter daquelas que escolhiam os
aniquilados, conforme eram visualizadas nos tempos pagãos. (Os Deuses da
Batalha)
Fonte bibliográfica:
Hilda R. Ellis Davidson - Deuses e Mitos do Norte da Europa
http://www.templodeavalon.com/modules/mastop_publish/?tac=As_Valqu%EDrias_de_Odin